segunda-feira, 5 de outubro de 2009

O Pensamento Mágico

Nietzsche já dizia: "Não há fatos, apenas interpretações". Eu concordo com ele...

Esta é uma história de forças arcanas. Segundo a interpretação do dicionário, Magia vem do Grego Mageia. É um substantivo feminino referente à Arte Mágica, ou à Religião dos Magos e, num sentido figurado, é a sensação ou sentimento que se compara aos efeitos da magia; fascinação; encanto. Assim temos que o estado de encantamento diante algum fato é mágico, perceber-se vivo e fascinado com a vida é estar vivendo a Magia; sentir-se fascinado e/ou encantado é experimentar a sensação de estar sob os efeitos da magia... Viver e perceber-se vivo é Mágico...

Concordo: logo o arquétipo do embusteiro, do charlatão, daquele incauto que vendeu a alma ao demo, da bruxa e seu caldeirão de sortilégios, do crédulo em símbolos arquetípicos e praticante de rituais exóticos saltam às vistas à mais leve menção da palavra "Magia" e isto não é um fato isolado: para a maioria das pessoas são esses os símbolos ligados a esta palavra. Aliás, parece que é bem isso que se deseja que se pense. E é aí que a citação de Nietzsche ganha uma conotação visionária... as interpretações tomadas por fatos encapsulam a amplitude dos termos desviando os olhares para a cortina de fumaça lançada enquanto a raiz, a mola mestra, permanece inatingível ao olhar do leigo. Retirar essa raiz do solo das interpretações e ruminá-la deveria ser a postura de quem deseje realmente compreender o que move o mundo, de tal sorte que nada escape à compreensão, nem mesmo aquilo que não tem explicações científicas ou que deliberadamente calque-se na fé cega de seguidores de cegos.

Existem religiões. A que se destinam? "Re-ligar" o ser humano às suas origens. Ótimo que estejamos estudando exatamente as origens quando exploramos a natureza dos átomos, as bases materiais de todas as estruturas que conhecemos neste mundo, a natureza das partículas que estruturam a matéria de que somos feitos e sim, não se sabe muita coisa a este respeito além do fato de sermos um sub-produto de matéria estelar lançada no espaço através de explosões cataclísmicas que envolvem a morte de estrelas supermassivas... assunto árido quando comparado à extensa obra cosmogônica espalhada pelos 5 continentes muito mais apetitosa, envolvendo batalhas no céu, envolvendo heróis, forças da natureza na forma de deuses, anjos e demônios, remetendo ao pó o que do pó veio. O que se nota é que a vontade de entender o que somos transcende barreiras culturais e praticamente todas as nações do mundo de todos os tempos têm em seu cerne aglutinador a mitologia "nativa" como base para a compreensão da origem e dos fins disso que a gente chama de existência. E de uma forma nada impossível de ser explicada, existe em praticamente todas as lendas envolvendo a criação, a idéia de uma origem, um princípio que vai do ovo cósmico à separação de terras e águas. Com certeza, isso surge com base na observação da natureza, onde tudo nasce, cresce, envelhece e morre.

Tem sido dessa forma que, à maneira de Hermes Trimegistro e suas Leis Herméticas, legadas ao mundo num período onde já se dominava a escrita, viemos emprestando ao universo a visão humana e vemos através de nossos olhos atônitos uma ordem para qual não fomos criados à imagem e semelhança mas que tão somente reflete a nossa imagem "Assim acima como o é abaixo"... E eis a raiz do pensamento mágico, do universo centrado no umbigo de quem o observa e sofre as influências do portador de tal umbigo, da mesma forma que o portador sofre as influências de tal universo num processo simbiótico. Sim, evoluímos desde então e, a partir dos estudos sobre o comportamento humano, esse pensamento está ligado atualmente à mentalidade que temos no início de nossas vidas. A infância é o período onde o mundo gira ao nosso redor e sentimos que tudo podemos dentro desse mundo: à mais leve menção de água, logo um copo cheio aparece do nada e vem matar a sede... ou falar em papinha, já traz um prato com uma colher e mão empurrando o alimento para dentro. Quando isso é possível, a criança sente-se munida do poder de conseguir o que quer mediante a atenção e o zelo de seus pais que tudo observam, desde a mais ínfima manifestação de desconforto aos protestos mais eloqüentes. Bem entendido: quando estes estão atentos.

Pois bem, a criança cresce e aprende que nem tudo está de acordo com aquela sensação de supremacia que envolvia seus primeiros anos de vida... aprende a interagir com outros membros que não lhe atendem as necessidades imediatas, o que pode gerar um sentimento de revolta e a busca pela satisfação imediata de seus desejos independentemente das condições do meio em que viva, o que então levaria tal indivíduo a pretender resgatar aquela sensação da infância na fase adulta ao tratar com supostos pais "supra humanos" que estariam atentos a tudo, beneficiando os mais bonzinhos e castigando os maus. Em linhas gerais e de forma beeeem resumida, esta seria a "visão" do pensamento mágico a partir da compreensão do comportamento humano. Embora muitos franzam os narizes ao serem comparados com crianças, não se pode fugir: parece que é somente este desejo de viver conforme a própria vontade o que anima tais seres em suas buscas e criação de dogmas e crenças das mais bizarras.

O umbigo do mundo...

Inquietude é o que me assalta quando eu vou em busca do algo mais que acaba invariavelmente sendo lançado para debaixo dos tapetes quando se deseja apenas descartar esse "pensamento mágico". Sim, já se foi o tempo em que explicações simples com base em contos e histórias da carochinha podiam satisfazer a ânsia de entendimento mas mesmo com todo aparato tecnológico de que dispomos hoje em dia, apenas alguns centímetros têm sido efetivamente caminhados no sentido de explicar alguma coisa de forma contundente e irrefutável quando desviamos os olhos daquilo que é palpável e quanto mais se observa o mundo, mais atônitos ficamos ao depararmos com a infinidade tanto acima quanto abaixo: do micro ao macro, tudo demonstra que infinito é um termo vago porém completamente aplicável... não conseguimos juntar as peças soltas apesar dos esforços em chegar-se a uma teoria da unificação. E o que falta afinal? A partícula de Higgs, supostamente responsável pela "criação" da massa dando peso e forma às estruturas complexas? Ou não seria isso apenas trocar os nomes de deuses de nossos antepassados por forças e partículas do tipo "peças chave" que desconhecemos na totalidade mas que percebemos que atuam de forma precisa em nosso universo observável?

Até onde sei, a ciência estrutura o universo em que vivemos sobre os pilares de quatro forças a saber: forte e fraca (relacionadas ao mundo atômico), eletromagnética e gravidade (do mundo visível). Esses quatro "deuses da criação", loas, ou qualquer outro nome que se dê a elas, vêm trocando de vestimentas desde que começamos a buscar respostas: lá estão os 4 elementos - água, terra, fogo e ar, lá estão os símbolos da matéria com base no quadrado, no número 4 associado ao mundo material em numerologia com bases na Cabala Hebraica, lá estão os rituais mágicos envolvendo os 4 pontos cardeais... o mundo parece centrado no 4 e as quatro forças da natureza, peneiradas e retiradas dos entulhos de milênios de tentativas infrutíferas e sedimentares de compreensão na base da observação intuitiva e ritos levados adiante oralmente, não deixam mentir... Existe toda uma simbologia envolvendo círculos, cruzes, linhas retas e espirais utilizados desde as mais remotas eras como referência a mundo, deuses, homem, mulher e suas ligações com as divindades que remontam as mais antigas eras de nossa humanidade. Há ainda um que eu guardo comigo como um talismã, bem escondido dos olhos dos curiosos a fim de não levantar suspeitas... estou falando do Pentagrama envolvido pela singeleza de um fino círculo, o símbolo ligado à magia, à compreensão da natureza do universo onde, encimados pela alma humana, os 4 elementos rendem-se ao mesmo tempo em que dão estrutura ao que os encima. Não parece à toa que o associemos à própria estrutura anatômica de nossos corpos físicos com 4 membros e uma cabeça encimando as ações desenvolvidas por estes membros, cercado pela linha do horizonte a estender-se de maneira circular de onde quer que observemos... e bem ali no meu Pentagrama o universo é um círculo de raio infinito centrado no ser humano, cuja mente domina os 4 elementos...

Ora dirão "mas é só um símbolo". E é mesmo... mas o pentagrama expressa algo que faz uma diferença e tanto quando buscamos a simplicidade de conceitos cada vez mais diluídos e desprovidos de existência própria e inviolável. Ele declara uma ordem vinda da mente humana que é obedecida pelos elementos, ele declara a integração homem-universo, alertando que, para a compreensão do mundo, não devemos descartar aquilo que lhe dá estrutura e empresta inteligência através da capacidade de perceber padrões... Sim! A inteligência de quem contempla o mundo é o quinto elemento estruturador, ao perceber-se sob o efeito da Magia de estar vivo. Simples assim, fácil assim... todo conhecimento trancafiado às sete chaves durante o tempo de perseguição aos que compreendiam essa natureza de inter-relação da mente com a existência do cosmo em contraste com o caos, disposto num símbolo singelo. Sem a mente que o contemple, a ordem no universo não existe. E isso é tão óbvio que até parece que todo mundo que já ousou tomar conhecimento dessas coisas já assimilou isso... ledo engano. Ficam adorando seus bezerros de ouro, lustram os tais bibelôs que criaram para adornar estantes e prateleiras empoeiradas dos conhecimentos arcanos sem atinar para isso... E até a Bíblia tem pelo menos duas citações dessa natureza no velho e no novo testamento: "Ele disse: Vós sois Deuses"... Talvez o que mais perturbe a compreensão de algo tão simples seja o sentido de "deuses" numa afirmação dessas. Sempre tem todo o significado que é dado ao termo, toda a definição, etc, etc, etc... o nome está viciado. Então, sem deuses a mesma frase fica:

Per aspera ad astra...

O que seria um Mago afinal? Alguém que entendeu isso de forma direta e, sem render graças a mais ninguém, é seu próprio mestre e discípulo, alguém livre... Mas por que ainda há tanto a que se prender nesse caminho? Durante séculos, por medo de serem flagrados em suas práticas, os Magos e bruxos criaram códigos e métodos de decifração de tais códigos para que apenas os "iniciados" tomassem conhecimento do que estava sendo ensinado. Talvez algumas chaves de interpretação foram perdidas e tudo o que se tem hoje em dia são inúmeros fragmentos de verdades escritas de difícil entendimento sem as tais chaves mas que são levadas adiante, principalmente por aqueles que ainda estão mentalmente na infância e desejando modificar a vida mediante a aplicação de fórmulas...

Por incrível que pareça, há uma resistência imensa quando o assunto é simplificar para poder assimilar. Quando a minha razão entrou nesse mundo de pretensos Magos, de repente foi como se eu estivesse tentando tirar uma carta de uma pirâmides de cartas de baralho e, com isso, provocasse a ira de tais criaturas aferradas aos seus conhecimentos capengas e caros conceitos complicadíssimos adquiridos às duras penas durante anos de restrições na base das meditações e práticas muitas vezes esdrúxulas e desprovidas de sentido pela falta de compreensão. Com surpresa, constatei que elas literalmente montam guarda ao redor dessa estrutura, impedindo o acesso ao "leigo" e curioso, chamando-o de "lêndea", "parasita" e outras gracinhas... Foi assim que eu, uma curiosa, durante alguns meses tive que me confrontar com centenas de deuses em seus panteões alinhados e imbuídos de seus emissários, anjos e demônios, mobilizando céus e infernos ao evocarem loas, ou forças ancestrais criadoras do mundo e seus poderes sobrenaturais de investir contra ou a favor dos demais seres humanos a partir de fórmulas matemáticas(?). Travei contato com monstros apocalípticos de nomes estóicos, pesadelos tornados realidade, enquanto buscava a luz em meio às trevas, choro e ranger de dentes daqueles que, pretendendo a ascensão da alma humana às altas hierarquias criadoras de mundos através de sacrifícios sangrentos para a evocação de demônios, escarneciam de mim...

Sonhos de picanha numa tarde pós-churrasco? Nada disso! Apenas meu parecer em relação às visões distorcidas e levadas adiante por quem não deseja desfazer-se da ilusão de ter acessado algum recôndito interdito aos demais mortais... mas que não passa de escritos na areia: a onda da razão vem e desmonta tudo. E estes são só os portões do conhecimento. É lógico que os cães montem guarda impedindo o acesso, afinal eles também não entraram e não se pode tomar o céu de assalto impunemente...

Intermezzo...

Sim, houve a pretensão de criar intermediários entre a verdade arcana de que somos Deuses e que nossa inteligência é a responsável pela ordem que vemos no universo e as mentes dos demais seres humanos, com o intuito de faturar... é mais do que evidente que sempre houve os embusteiros e aqueles que, munidos de suas maldições, açoitaram as massas que não tinham acesso a tal conhecimento, numa tentativa de acumularem meios de ganharem dinheiro ou favores. Uma verdadeira religião com o intuito de re-ligar e servir de ponte entre criador e criatura para os que a seguem, teria a missão de libertar o ser humano do jugo opressivo de outro ser humano, fazendo-o ver que esse re-ligar é simplesmente dar-se conta de que estamos imersos num contexto de co-dependência com o universo imediato, aquele mesmo dentro da circunferência de nosso horizonte de ação, da mesma forma que o pentagrama ilustra tão bem... O fato, ou a interpretação dessa questão é que, tendo-se valido sempre de tais intermediários, a maioria das pessoas ainda guarda consigo a sensação de não ser merecedora de compreender os mistérios, aquelas questões que não são explicadas nem fazem sentido algum a menos que estejam dentro de um contexto iniciático. É assim que deuses ganham o espaço, forças da natureza continuam a ser aplacadas mediante a encenação de eventos cósmicos com base no "Assim acima como o é abaixo". É e tem sido a ignorância e o medo de errar muito o que vem mantendo as massas contidas dentro de sistemas de crenças tão elaborados quanto for a mentalidade de seus criadores.

Também numa espécie de prolongamento da infância, cremos porque é um condicionamento de nossa própria espécie crer em alguém que consideremos superior. Somos seres hierárquicos, elegemos nossos superiores da mesma forma que nossos primos e parentes macacos... Nesse contexto, faz sentido também a fé num Deus judáico-cristão, grande patriarca, senhor supremo, o ápice da Hierarquia, que ama os bons e puros de coração enquanto aniquila os ímpios imperando, soberano em quem Lhe deposite a Fé, uma crença sem questionamentos. Faz sentido não se saber senhor de sua própria existência, não devendo a nada nem a ninguém além de si mesmo a execução de seus feitos... a ignorância ainda é o maior dos males. Sim porque só nós temos a perder ao Não abolirmos os bezerros de ouro e assumirmos nossa condição de regentes pelo menos de nossa própria vida. Sem deuses nem demônios... apenas nós mesmos.

Como no pentagrama, se dominarmos as ilusões dos 4 elementos que nos sustentam, podemos adquirir o poder de agir conforme nossa vontade e não a vontade de deuses e demônios que admitimos como regentes do mundo. É dessa forma que ateus do mundo inteiro vêm fazendo sem darem satisfação a mais ninguém além de si mesmos e daqueles que os rodeiem em seu universo de ação, por não se permitirem crer sem provas, sem bases... e são mal vistos, seres de segunda grandeza. Por que? Simplesmente porque não se prendem aos grilhões de um conhecimento castrador, não se submetem às ordens e instituições, não aceitam outro deus senão eles próprios... simplesmente porque vivem e seguem com os instintos básicos que os permitem prosseguir seguindo a única lei que impera em nosso mundo animal: a da sobrevivência, além de munirem-se da razão capaz de explicar eventos, interpretando-os e colocando ordem no caos. Uma questão de consciência... Há estudos colocando a consciência dentro do funcionamento eletro-químico de nosso dispositivo cerebral... e se assim for, a morte física representaria o fim de toda uma jornada evolutiva que culminou na criação de um ser humano com seus sonhos, desejos, ansiedades, medos, tragédias pessoais, e, mediante a perda de sua funcionalidade, reduzido a um corpo inerte e sujeito à degradação biológica retornando aos seus componentes primordiais em algum tempo de ação de outros seres vivos. É certo ainda que não se sabe se o universo teve um começo ou se terá um fim. Não se sabe ao certo o que são elétrons, nem de que forma as membranas na 11ª dimensão conseguem criar singularidades consistentes com a formação de universos, nem se existem bilhões de universos como o nosso em algum complexo ainda maior que aquilo que enxergamos... Não se sabe ao certo nem mesmo a definição de "energia". E é assim que não temos respostas a nada de forma contundente porém, sabendo que não há deus senão o homem, algum alívio ainda pode ser alcançado. Pelo menos ao seguir vivendo o encantamento, o fascínio, em suma, a Magia no dia a dia... Nada como a pretensão de tomar o céu de assalto...

Lígia Amorese ~ Março 2004

Referências: O MISTÉRIO DA CONSCIÊNCIA - Antonio Damasio - Companhia das Letras

O ERRO DE DESCARTES - Antonio Damásio - Companhia das Letras

THE MAGICAL REVIVAL - Kenneth Grant

Sobre comportamento humano: http://www.psiqweb.med.br/cursos/pensam.htmlhttp://www.salton.med.br/principal.phtml?par=id_menu%3Dimprensa%26id_imprensa%3D62

http://www.salton.med.br/principal.phtml?par=id_menu%3Dinicial%26id_texto%3D25

Leis Herméticas: http://www.pedreiroslivres.com.br/seteleishermeticas.htm

Teoria M: http://www.damtp.cam.ac.uk/user/gr/public/qg_ss.html

Um comentário:

  1. Parabéns pelo texto! Conceitos muito bem fundamentados... Embora eu acredite em digamos, um "ser superior", suas palavras foram muito válidas...
    A verdadeira Magia é controlar a si mesmo, e ter o poder de seguir a razão ao invés da fé cega...
    Muito bom mesmo, Parabéns!

    www.blogdogorro.blogspot.com

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